terça-feira, 23 de maio de 2017

A que distância (Qué tan lejos)

Este filme nos proporciona um resumo de viagem entre Quito, a capital equatoriana, e a cidade de Cuenca, ao sul do país. Cada personagem tem seu motivo particular para cruzar o país. Mais do que os cerca de 500 km de distância, o que separa as cidades naquele dia é uma paralisação nacional dos trabalhadores.

A diretora Tania Hermida diversifica as personagens, todas carregadas de simbolismo, trazendo vários elementos à trama, que aparenta ter mais intenção de despertar questionamentos do que oferecer um resultado pontual.

Na trama a espanhola Esperanza (Tania Martinez) visita o país sul-americano com o peso de ter nascido na metrópole. É evidente que nenhum espanhol ou português de hoje tem responsabilidade direta sobre o que seus antepassados fizeram ao longo de séculos de exploração na América Latina, porém é igualmente inevitável ver tantos problemas sociais com raízes na colonização.

Em contraponto à Esperanza vemos a protagonista que se apresenta como Tristeza (Cecilia Vallejo). A jovem, idealista e passional, não hesita em cruzar o país para impedir o casamento daquele que acredita ser o amor de sua vida. A princípio não é com bons olhos que ela vê a estabanada turista espanhola, que parece ser bem pouco politizada para seus padrões.

No caminho de ambas está a greve geral, sem prazo para acabar, que poderia adiar a viagem. Esperanza poderia não conhecer o país e Tristeza chegaria tarde demais para tentar evitar o casamento. A diferença, mais do que a meta da viagem, está na reação de ambas.

Esperanza não compreende muito bem a motivação dos indígenas responsáveis pela paralização. Ainda que não existam imagens das manifestações, a indicação de que ela é coordenada por indígenas deixa claro que o movimento é articulado nas forças sindicais de base. Ainda que os espanhóis não tenham posto em prática uma política de extermínio indígena, até hoje os descendentes diretos dos incas formam a camada mais pobre da região andina.

Já Tristeza tem uma consciência política muito mais ligada ao movimento grevista e as dificuldades que a greve impõe não são empecilhos suficientes para que a jovem deixe de apoiar a causa. Determinada e irredutível em seu objetivo, ela resolve fazer a viagem, mesmo que para isso tenha que pedir carona e levar, à revelia, Esperanza.

O trajeto serve para algumas conversas esclarecedoras entre duas personagens que passam a desfazer preconceitos criados pelas respectivas primeiras impressões. Além disso, a diretora aproveita para exibir algumas características do país. Tanto as qualidades quanto os defeitos. Infelizmente parece que as belezas naturais concentram as qualidades que o país tem a oferecer, enquanto a insegurança e os problemas sociais diversificam os pontos negativos.

Até mesmo uma simples carona, que pode facilitar a vida de viajantes em muitos lugares, no Equador e na maior parte da América Latina é algo a ser feito com muito cuidado e atenção redobrada no caso de duas mulheres.

Entre tropeços e avanços, no caminho a dupla conhece Jesus (Pancho Aguirre). Enigmático e profundo, o personagem uma síntese entre o lado politizado de Tristeza e a maturidade de Esperanza para as questões emocionais.

O ator errante que cruza o país com as cinzas da avó em uma urna acaba sendo a metáfora de guia, que mostra às novas amigas tanto o caminho físico até Cuenca quanto um caminho emocional, através do desapego material e da sabedoria prática de lidar com situações adversas da vida.

É possível encontrar no filme uma tendência de dividir o sentimento passional. Uma parte é mais egoísta e expressa pelo desejo de Tristeza de reatar seu relacionamento. Neste sentido a imaturidade da menina é logo compreendida por seus dois amigos mais experientes, que notam o equívoco ao mesmo tempo em que se compadecem com o sentimento da jovem.

Além disso, existe uma passionalidade que visa algo maior que o indivíduo, que também tem Tristeza como ponto central, pois mesmo tendo sua viagem extremamente dificultada pela greve geral do país, ela não somente apoia o movimento como é bastante didática ao explicar para Esperanza que a causa era justa.

Tanto no cinema quanto na vida, são frequentes as histórias de amigos que partem para uma viagem trabalhosa, que acaba abalando a estrutura das amizades. Isso deixa ainda mais interessante o sentido inverso, quando uma viagem inusitada e não programada acaba unido personalidades aparentemente divergentes.


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