terça-feira, 30 de agosto de 2016

Sr. Kaplan (Mr. Kaplan)

O diretor uruguaio Alvaro Brechner utiliza o humor com muita competência para, através do protagonista Jacobo Kaplan (Héctor Noguera), apresentar algumas reflexões pertinentes sobre a forma de encarar a vida em uma idade mais avançada.

Existem inúmeras maneiras de olhar para a própria vida. Alguns vivem presos a um passado, outros vivem sonhando com um futuro perfeito, muitos prezam pelo presente, mas o fato é que sempre planejamos muitas coisas e vamos adaptando as expectativas de acordo com os imprevistos do destino.

Se na juventude temos a impressão de um tempo infindável pela frente, pensando assim em carreira, família, viagens, bens materiais, etc., Jacobo se aproxima dos oitenta anos, tem um casamento de meio século, filhos, netos, aposentadoria e várias outras realizações.

Na ausência da imensa perspectiva da juventude, Jacobo começa a buscar figuras longevas conhecidas ao longo da história para servirem de referência, mas não é somente a preocupação com o tempo de vida ou novos planos que o preocupam.

Uma característica extremamente comum na velhice, e muitas vezes negligenciada pelas pessoas próximas, é a dificuldade de lidar com as limitações do corpo. Aquela pessoa que sempre trabalhou e foi extremamente ativa começa a sentir o peso dos anos e a ter dificuldades para fazer coisas simples. Por mais que as mudanças sejam graduais, ninguém que se habituou a ser independente gosta de passar a precisar de ajuda para tarefas cotidianas.

Perder a capacidade de dirigir não é um incômodo pelo fato isolado, mas é visto como uma deficiência que se soma às outras. Em uma sociedade em que a velhice é vista como uma coisa ruim, como se fosse algo possível de ser evitado, Jacobo não vê valor nas coisas que tem, tão pouco exalta suas experiências de vida que o permitem refletir sobre as pessoas que o cercam.

A necessidade de realizar algo grandioso, que prove ao mundo e a ele próprio que sua vida não está em uma ladeira sem freio, associada a uma série de fatos que parecem se encaixar muito bem, Jacobo acredita ter encontrado um soldado nazista, que a exemplo de Eichmann fugira para a América do Sul para se livrar do julgamento no pós-guerra.

Olhando a história de longe, sobretudo em uma comédia recheada de cenas satíricas, é possível concluir que o plano do velho judeu de capturar um ex-soldado da SS para que este cumpra pena pelos crimes que cometeu seja uma insanidade; sobretudo em uma região que conta com muitos imigrantes germânicos e que costuma dar apelidos às pessoas com base em estereótipos, o fato de haver um alemão apelidado de “nazista” não significa que ele realmente tenha sido combatente da segunda guerra.

Por outro lado, muitas vezes ao longo da vida nos apegamos a certezas que com o passar dos anos são desconstruídas e, ainda que publicamente possamos tentar esconder, acabamos admitindo em nosso íntimo o quanto fomos inocentes – para dizer o mínimo – diante de determinada situação.

Para Jacobo tudo convergia para a situação perfeita. Era sua chance de realizar um fato grandioso, marcar seu nome na história, provar que ainda era uma pessoa ativa e dar um sentido para a vida que ele acreditava estar vazia.

Um caso isolado pode ser ótimo roteiro de comédia, sobretudo quando o protagonista tem ajuda do ex-policial Wilson Contreras (Néstor Guzzini) para sua investigação. Ambos oferecem cenas muito divertidas em meio à trama, suavizando a expectativa pelo desfecho em relação ao suposto nazista. À parte do entretenimento, cabe pensarmos na vida de Jacobo de uma forma mais ampla.

Será mesmo necessário provar algo ao mundo quando se tem uma vida toda nos ombros? O protagonista introjeta os valores de uma sociedade que coloca a velhice como uma coisa ruim, dada as limitações físicas que, em maior ou menor grau, são inevitáveis. Essa introjeção é compreensível, porém questionável não somente no filme, mas em todos os idosos.

Em certa medida pagamos na velhice a conta dos abusos ao longo da vida. Não há elementos sobre a juventude do personagem, mas pensando de forma geral, salvo exceções, quanto mais imprudentes somos quando jovens, maiores serão as consequências físicas, porém não devemos negligenciar os ganhos intelectuais que acumulamos ao longo da vida e chegam ao ápice justamente na velhice.

Se a atuação da passagem do tempo em nossos corpos é inevitável, não nos resta outro caminho além de aceitar a depreciação física, cuidando ao longo da vida para que os efeitos sejam ao menos atenuados. 


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