quarta-feira, 13 de julho de 2016

Mau dia para pescar (Mal día para pescar)

A prática de pequenos estelionatos na sociedade é antiga. Utilizar pequenos truques e aproveitar da ingenuidade de algumas pessoas para ludibria-las é tão frequente que a arte incorporou essa situação de diversas formas, desde os antigos vaudevilles – uma espécie de circo que apresentava números de mágica e atrações bizarras – até o cinema, que explora o potencial cômico e também dramático dessas situações.

Dessa vez foi o diretor uruguaio Alvaro Brechner que trouxe às telas uma história curiosa, na qual um estelionatário que se apresenta como Príncipe Orsini (Gary Piquer) lucra com o oferecimento de entretenimento barato, sobretudo com o suposto homem mais forte do mundo, Jacob Van Oppen (Jouko Ahola).

Jacob não é um golpista. Na verdade ele é tão inocente quanto as vítimas de Orsini, mas seu personagem tem um papel curioso, que nos instiga a pensar na sua condição de vida. Com a idade já avançada para um lutador profissional e com físico debilitado por uma vida desregrada, Jacob se mantem muito mais pela ilusão do que pela real capacidade.

Com o personagem montado para passar a imagem de muito músculo e pouco cérebro, é difícil saber o quanto ele enfrenta, de fato, dificuldades pessoais diante da passagem do tempo. A dupla se apresenta em uma pequena cidade, que não tem outras formas de entreter sua população, assim muitos acabam pagando para ver uma preparação física que mais parece brincadeira de criança. Pelo que podemos notar, tanto espectadores quanto a atração são realmente convencidos de que tudo aquilo é real.

As lutas combinadas e encenadas de forma caricata já fizeram muito sucesso. O telecatch era transmitido pela tevê com grande audiência. A diferença é que todos sabiam que se tratava de uma encenação e isso não ofuscava o brilho das apresentações grandiosas e maniqueísta dos lutadores divididos entre bons e maus. Já Orsini vendia a luta como real, pagava o adversário para que fosse nocauteado por Jacob e, além de ganhar o dinheiro que cobrava pela entrada da luta vendida como real, ainda coordenava apostas, mesmo com o resultado comprado.

Também permeia o filme o tema da competição esportiva, que teoricamente implica na imprevisibilidade de resultados. A premissa de um esporte é a de que vença o melhor, porém as intervenções externas não se restringem a um golpista desconhecido que atua em pequenas cidades. Essa mesma falta de ética é frequentemente encontrada em competições profissionais acompanhada pelo mundo inteiro.

Quando o esporte passa a ser visto como uma grande fonte de dinheiro em potencial não demora para que alguém tente aplicar às competições os preceitos do capital, ou seja, ampliar os lucros minimizando as perdas. O problema é que sem interferências externas o esporte não seria tão lucrativo. Ou se aposta no favorito, com baixa rentabilidade, ou se aposta em um azarão, com pequena possibilidade de vitória.

No filme a trapaça é ameaçada quando Adriana (Antonella Costa) consegue fazer com que seu namorado seja o próximo adversário de Jacob, sem aceitar a propina nem mesmo com a ameaça de derrota, pois precisavam muito do dinheiro e viam na figura decadente do lutador uma possibilidade real de vitória.

Dois pilares importantes que sustentam a situação do filme permeiam toda a história, um deles é a dificuldade financeira que faz com que Adriana e seu namorado levem o desafio adiante, mesmo ele não sendo um profissional. Não é o mesmo caso de Orsini, que tira seu sustento dos golpes periódicos, pois o casal trabalha, mas tem uma fonte de renda que não é suficiente para cobrir as despesas e garantir a realização de seus planos.

Outro pilar, bastante comum, é a falta de entretenimento na cidade. Não é apenas no Uruguai, por aqui os pequenos municípios costumam ser extremamente carentes de opções culturais, abrindo espaço para oportunistas que enxergam uma oportunidade para ganhar dinheiro fácil.

Isso não é uma determinação. É claro que golpes que visam tirar dinheiro da população acontecem em grandes cidades, que concentram inúmeras opções culturais, porém a junção de poucas opções de entretenimento com baixa renda abre espaço para muitos oportunistas, como Orsini, por exemplo.

A tendência ao ver uma história como a do filme é a de pensar que Orsini deve ser punido de alguma forma. Talvez, mas é bem conveniente pensar em oferecer uma vida cultural interessante para a cidade e uma renda digna aos seus moradores.


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