terça-feira, 17 de maio de 2016

A floresta que se move

É admirável que uma obra escrita há quase meio século siga servindo de inspiração para artistas do mundo inteiro. William Shakespeare conseguiu essa proeza retratando com maestria a estrutura de poder que sustentava as relações sociais de sua época, dessa forma encenar fielmente a história de Macbeth seria anacrônico, sobretudo no Brasil, que nunca teve uma monarquia tradicional como a britânica em seu governo, mas é possível transpor os atores sociais para a atual situação, mantendo a essência da obra.

Foi assim que o diretor Vinícius Coimbra montou sua versão da obra de Shakespeare, mostrando que a ambição pelo poder, descrita pelo dramaturgo quando o Brasil completara apenas um século, pode ser notada ainda hoje, com evidentes adaptações temporais e transposições devidas.

Curioso que a ambição pelo poder abandonou o caráter político. O protagonista já não quer chegar ao governo de um Estado, mas é simbolizado pelo personagem Elias (Gabriel Braga Nunes), que é surpreendido com a súbita possibilidade de chegar à presidência do maior banco privado do país. Essa simbologia é uma nuance fundamental para compreender quem está de fato no poder do país.

Por um lado é ótimo que não tenhamos um monarca onipotente com o poder de governar de forma arbitrária, por outro uma oligarquia formada por grandes corporações privadas se esconde por trás de uma teoria democrática, segundo a qual o governo deveria atuar em benefício da maioria da população.

Na prática não faz muita diferença quem assume a cadeira da presidência, o lucro dos poucos bancos privados que atuam no país segue batendo recordes consecutivos, governo após governo. Isso dá a essa oligarquia econômica poderes políticos consideráveis que, em conluio com outros setores da economia, como os grandes veículos de comunicação, podem driblar as regras democráticas, mantendo a maquiagem da alternância de poder.

Da mesma forma que a monarquia britânica tinha tudo para seguir tranquilamente no poder, não fosse a ganância de um de seus membros atuar diretamente para que a corrente sucessória fosse rompida, vemos no filme uma estrutura de poder extremamente propícia para a vida de Elias, não fosse a mesma ganância instigada por sua esposa Clara (Ana Paula Arósio).

Seguindo a profecia de uma misteriosa bordadeira, talvez a personagem mais anacrônica da adaptação, condizente com século 17, o protagonista é promovido à vice-presidência do banco, sendo a presidência seu caminho natural, visto que o filho de Heitor (Nelson Xavier), o atual presidente, não tem o menor interesse pelos negócios. Uma vida economicamente impecável, vivendo em uma mansão com todo o conforto que o dinheiro pode comprar e seguindo a carreira com que sonhou – que é factível para pouquíssimas pessoas. Tema recorrente em Shakespeare, e em toda a humanidade, o poder não satisfaz. Não faltam exemplos – históricos e fictícios – de quem teria tudo para uma vida brilhante, mas inexplicavelmente colocou tudo a perder.

Na história original o entrevero da família real trouxe problemas insolúveis para os envolvidos, entretanto podemos imaginar que para o reino, em longo prazo, tudo virou uma história lamentável, que abalou a família real, mas não ameaçou o poder da monarquia. Da mesma forma, o que quer que aconteça nos bastidores de poder de um grande banco privado terá uma influência imediata nas ações da empresa e irá influenciar na sucessão da cúpula, entretanto em pouco tempo a estrutura estará recomposta, a oligarquia reestabelecida e os danos serão restritos aos indivíduos envolvidos.

Historicamente Macbeth é classificado como uma tragédia, em contraponto às comédias que seu autor também escrevia. Já essa adaptação, na genérica classificação dos filmes, é classificada como drama. Uma visão mais abrangente poderia dizer que se trata de um filme de terror. Não o terror clássico, com monstros e criaturas sobrenaturais, mas um terror que quebra com as expectativas sociais.

Em um momento histórico em que cada vez mais o sucesso é associado com o desempenho econômico, a floresta que se move traz fantasmas que assombram a ideia de que a violência está restrita a uma classe extremamente distante daquela retratada no filme. Uma hipótese que Shakespeare desenvolveu com extrema competência em suas obras e que Vinícius Coimbra trouxe para as telas – ainda que distante de uma obra prima – é a de que a ganância é onipresente e pode tranquilamente se manifestar onde menos se espera. O terror se caracteriza em trazer para perto uma característica que se espera encontrar nos outros.



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