terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Clube (El Club)

A primeira referência a este longa do diretor Pablo Larraín é a de um filme que aborda diretamente a pedofilia praticada por padres católicos. Não que esteja errado, mas o diretor vai além e aborda outros tabus da Igreja, abrindo espaço para um debate que deveria estar muito mais desenvolvido em uma instituição tão antiga.

Em uma casa no litoral chileno, onde não por acaso o tempo está sempre nublado e chuvoso, alguns sacerdotes vivem reclusos, sob a guarda da Irmã Monica (Antonia Zegers). Em pouco tempo percebemos que o fator em comum para todos é a prática de alguma ação proibida pela Igreja – nem sempre ilegal.

É importante diferenciar os atos ilegais, já que no filme o padre acusado de pedofilia é colocado no mesmo patamar daquele que é punido por ser homossexual. Dado que os padres fazem voto de castidade, seria um detalhe completamente irrelevante se a atração reprimida é por mulheres ou por homens. Parece que a real tentativa é proteger o caráter sagrado – e impraticável – dos sacerdotes.

De todas as práticas anacrônicas da igreja o celibato poderia ser uma das mais irrelevantes à sociedade, afinal é uma ordem restrita àqueles que optam por seguir a suposta vocação religiosa, diferente das proibições que se estendem à sociedade, independente da religião que cada um opta por seguir.

A forma como o celibato atinge a sociedade é o elo entre os padres da casa. Criado com a finalidade prática de não produzir herdeiros que dividam as extensas terras da Igreja, hoje o celibato simplesmente escancara o óbvio; independente de qual a hierarquia que se atinge dentro da Igreja, todos são homens, com hormônios, libidos e desejos.

Curioso que o filme de Larraín tenha sido lançado pouco tempo antes de vir à tona uma troca de correspondências bastante íntimas entre o papa João Paulo II e uma amiga próxima, desde os tempos em que ele era apenas um cardeal. Todas as matérias se apressam em esclarecer que não houve nenhuma consumação do amor bastante mundano expresso nas cartas.

É de se esperar que qualquer coisa que tenha existido além de correspondências seja cuidadosamente escondida pela igreja. Neste ponto podemos aproximar o exemplo real com os personagens do filme. Quando um caso de pedofilia começa a ganhar proporções indesejáveis entra em cena o padre Garcia (Marcelo Alonso), um investigador enviado pela Igreja, que parece chegar com um veredito pré-concebido, buscando apenas elementos que nivelem os padres da casa e justifiquem o fechamento do local.

Não resta dúvida de que a pedofilia é um crime inaceitável. Colocá-lo ao lado da homossexualidade é prejudicial tanto por criminalizar injustamente casais homo afetivo quanto por associar as duas práticas de maneira irresponsável. Seria como julgar todos os padres como pedófilos devido aos casos confirmados.

Na qualidade de pessoas comuns, cujos desejos são tão complexos quanto os de qualquer um de nós, os sacerdotes terão formas diversas de lidar com a libido. Muitos, talvez a maioria, conseguem simplesmente sufocar suas vontades, outros exprimem suas vontades em cartas ou o que quer que João Paulo II tenha feito além disso, e alguns, conforme o filme relata, acreditam ser mais fácil ludibriar uma criança na tentativa de ocultar seu pecado criminal.

Se a missão do padre Garcia é zelar pela imagem da Igreja e seus sacerdotes, seu primeiro passo deveria ir de encontro ao combate à pedofilia, dando verdadeira assistência às vítimas ao invés de tentar ocultar todos os casos. Neste sentido qualquer atitude mais efetiva fugiria de sua alçada, afinal não cabe a ele determinar nada relativo aos desejos sexuais que os padres sintam.

Por parte da Igreja seria fundamental um posicionamento coerente com a sociedade em que vivemos. É no mínimo anacrônico uma instituição tentar manter da forma mais exata possível doutrinas baseadas em uma época completamente distinta da nossa. O resultado não pode ser outro senão a hipocrisia, tanto dos fiéis que seguem as doutrinas convenientes para cada ocasião ignorando as mais incompatíveis, quanto da própria igreja, que segue encobrindo os hábitos mundanos de seus sacerdotes para tentar manter uma insustentável aparência de santidade daqueles que servem diretamente à igreja.

Ainda que seja evidente, cabe ressaltar que a pedofilia nunca foi tolerada pela igreja e não é essa a mudança necessária, mas sim uma doutrina que não tenha a pretensão de anular o caráter humano que há por trás de cada religioso – desde um mero coroinha até o papa. 


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