terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Acima das nuvens (Clouds of Sils Maria)

O plano de fundo para o longa do diretor Olivier Assayas é a escolha das atrizes para a nova versão de uma peça de teatro, na qual a jovem Sigrid consegue seduzir e desestabilizar a experiente Helena. Com essa linha de raciocínio se estabelece um vínculo entre a fictícia peça, as personagens do filme e, até certo ponto, com as próprias atrizes.

A protagonista do filme é a atriz Maria Enders (Juliette Binoche, que não por acaso deu a ideia do filme ao diretor). Seu sucesso começou quando interpretou Sigrid e agora, com uma carreira já consolidada, Maria pode selecionar com rigor os convites que recebe, não somente para atuar, mas para entrevistas e fotografias. Para isso tem o auxílio de sua jovem assistente Valentine (Kristen Stewart).

Diante da possibilidade de voltar à peça que a consagrou, porém desta vez no papel de Helena, Maria fica muito hesitante. A alegação é a de que teve extrema identificação com Sigrid, não conseguindo agora se imaginar no papel da outra personagem. Com o desenrolar da história, algumas nuances indicam outra possibilidade.

Envelhecer, apesar de um processo inevitável da vida, é um medo muito comum, talvez ainda mais perceptível naqueles cuja profissão está diretamente ligada à imagem. Em uma sociedade patriarcal e machista, as mulheres costumam ter ainda mais pressão para manter a aparência jovem. Para Maria, aceitar o papel seria admitir para o mundo (e para ela) que sua idade já avançou o suficiente para que ela possa interpretar a mulher experiente da peça.

Mesmo bem sucedida profissionalmente, pelo que podemos acompanhar de sua vida Maria é bastante solitária, tanto que vê em Valentine mais que uma assistente. A moça acaba fazendo o papel de amiga, confidente, conselheira e por vezes passa a ideia de que isso só ocorre por estar sendo paga. Diante do que é apresentado da vida de Maria, parece que se ao menos ela tivesse um circulo de amigos da mesma faixa etária, teria o conforto de acompanhar o envelhecimento do grupo como um todo ao invés de acompanhar a passagem da própria vida, sem muitas referências mais próximas.

O contraponto dessa história é a atriz selecionada para viver Sigrid na atual versão. Jo-Ann Ellis (Chloë Grace Moretz) corrobora o estereótipo de atores da nova geração, que aparentemente conquistam mais pela beleza do que pelo talento. Se por um lado a interpretação de Maria tem muito mais qualidade do que a de Jo-Ann, por outro a atriz consagrada vê aquela que tem idade para ser sua filha como foco dos holofotes e flashes, fazendo com que fora do palco ela se torne uma mera coadjuvante de luxo para a menina que parece entender muito mais de escândalos do que de atuação.

Por mais que a protagonista conte com experiência pessoal e profissional, além de maturidade para lidar com uma situação deste tipo, o fato é que as pressões sociais que chegam sobre ela não são tão simples de serem assimiladas e trabalhadas. Racionalmente uma carreira de sucesso, sobretudo no cobiçado e hermético mundo artístico, é motivo de grande orgulho e satisfação. O que não elimina a frustração de ver alguém com menos talento sendo muito mais assediado.

Em um mundo voltado para resultados uma artista que enche um teatro é valorizada, porém qualquer coisa que leve milhões de espectadores às salas de cinema é economicamente muito mais lucrativo, assim toda a indústria prefere voltar sua atenção ao que trará mais dinheiro.

O que poderia atenuar a angústia de Maria seria o apoio de pessoas próximas, entretanto, como já mencionado, seu maior contato é com Valentine, sua assistente e grande admiradora de seu talento. Enquanto ambas riem dos escândalos pessoais de Jo-Ann a diversão de informalidade está garantida mesmo na relação profissional que serve de base para o contato das duas personagens. O problema é que Valentine não pertence à mesma geração de Maria, mas sim de Jo-Ann.

A assistente compreende o posicionamento de sua chefe e a conhece bem o suficiente para compreender o valor de seu trabalho, mas não despreza os valores de sua própria geração, inevitavelmente diferentes daquela que a precedeu.

Os conflitos entre gerações são inevitáveis. É bem provável que Maria, quando representou Sigrid na juventude, tenha despertado sentimentos semelhantes na atriz que fez o papel de Helena. Desta vez os sentimentos estão apenas mais intensos pelo fato da mesma atriz atuar depois de muitos anos.

O que sem dúvida poderia ser atenuado é o desconforto de Maria causado pela pressão social relacionada ao desprezo da velhice. Um dos vários problemas de vivermos presos à juventude é exatamente o sentimento de inadequação aos que se dão conta de que há uma nova geração fazendo o que eles já não têm condições.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...