terça-feira, 14 de julho de 2015

5x Favela - Agora por Nós Mesmos

Este longa recicla uma ideia da década de 60. Na época foi extremamente original e condizente com a proposta do Cinema Novo juntar cinco jovens cineastas para realizarem um longa-metragem composto por histórias encenadas em uma favela. Hoje, com o desenvolvimento de equipamentos mais versáteis e com a redução dos custos de produção, ficou mais fácil formar novos profissionais e diversificar a produção cinematográfica.

Assim, ao invés de levar cineastas formados em universidades para gravar em uma favela, os próprios moradores locais passaram por um treinamento, do qual os melhores foram selecionados para produzir um longa no mesmo formato de seu antecessor, com cinco histórias distintas, que desta vez ficaram a cargo dos moradores.

Existe uma diferença clara de intenções nos dois filmes. Enquanto o primeiro vem com um tom de denúncia e parece tentar evidenciar uma realidade não tão conhecida da luta de classes, o segundo tem um viés de desconstrução de preconceitos, mostrando os problemas de uma favela – alguns deles bem graves – mas com exceção de uma das histórias, vemos os moradores como pessoas que acima de tudo lutam pelo próprio bem-estar.

Cabe ressaltar que as escolas de samba, que possuem papel de destaque em histórias do primeiro filme, sequer aparecem no segundo. Parece que hoje funcionam de forma mais profissional, distante das raízes orgânicas dentro da favela, com capacidade de unir moradores em torno de uma paixão em comum.

No filme mais novo o tema que pegou o lugar das escolas de samba foi o tráfico. Se há pouco mais de quarenta anos as favelas eram bem menores, com população restrita e consequentemente mais fácil de ser assistida pelo governo, a crescente concentração de renda na sociedade e o descaso dos governantes transformaram pequenas favelas em verdadeiras cidades, com funcionamento quase independente do restante da cidade.

É claro que o morador de uma favela é um cidadão como outro qualquer. Deve, portanto, obedecer às mesmas leis e ser protegido por elas, assim como os moradores de qualquer outro bairro. O que o filme acaba nos mostrando é que essa relação nem sempre é válida e muitas vezes os deveres dos moradores não vêm acompanhados de direitos básicos.

As leis são um conjunto de regras que se encaixam em determinado espaço e tempo, por isso cada país tem as suas e algumas mudanças são necessárias de acordo com alterações naturais da sociedade. Uma das vantagens de uma sociedade mais homogênea, sem uma discrepância econômica tão gritante que interfira na qualidade de vida de seus cidadãos, é que as leis acabam sendo mais justas para todos.

No Brasil a legislação, estabelecida pela elite, sofre dois problemas gravíssimos. Um, não abordado diretamente nas histórias do filme, é a existência de uma classe tão rica e poderosa que pode influenciar decisões judiciais. Outro, esse sim muito mais evidente, é que as leis aplicadas de forma igualitária não garantem justiça em uma sociedade tão multifacetada.

É evidente que a solução para problemas vividos pelos personagens do filme não está na flexibilização da legislação para adequá-la à realidade social, nem em tolerar delitos de acordo com a situação econômica de quem os comete. Entretanto, é muito claro que algumas barreiras são praticamente intransponíveis para aqueles que lutam por uma subsistência bastante precária.

Um dos personagens do filme consegue passar no vestibular, mas depois não tem dinheiro para pagar a passagem e ir para as aulas; outro sai de manhã e volta a noite todos os dias, enfrentando uma longa jornada de trabalho para conseguir comprar somente arroz e feijão; o tráfico é presença constante que influencia na vida dos moradores desde a infância. Esses e outros problemas comprometem a vida de qualquer um, mas estão ausentes nas camadas sociais mais elevadas.

O que os moradores que produziram o filme nos mostram é uma visão interna que não se baseia na vitimização. Os problemas não chegam a ser usados como escudo para uma vida de resignação, mas sim como dificuldades a serem superadas de uma forma ou de outra.

Muitas atitudes do filme podem ser questionadas, algumas são, pelo rigor da lei, passíveis de punição, mas a ideia do filme é exatamente mostrar o cotidiano da vida na favela pela visão dos próprios moradores, ao invés de uma visão externa e estereotipada. Vendo de perto os problemas ganham outra dimensão, que geralmente está distante das áreas mais nobres da cidade.


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