terça-feira, 5 de maio de 2015

Kamikaze

O termo Kamikaze nos remete à Segunda Guerra Mundial, quando o exército japonês, em frangalhos e sem recursos, via como única forma de ataque carregar um avião com explosivos para que o piloto se lançasse contra o alvo. Neste longa do diretor Álex Pina o Kamikaze é, na verdade, um homem-bomba.

Slatan (Álex García) é um cidadão do fictício Karadjistão e recebe como missão embarcar em um avião com um colete de explosivos a ser detonado em pleno voo, como represália pelas ações russas contra seu povo. O imprevisto é que uma nevasca adiou a viagem, obrigando Slatan a passar alguns dias hospedado junto com os demais passageiros.

Apesar de ser baseado neste argumento potencialmente tenso, o diretor tem o mérito de apresentar o filme como uma comédia permeada de questões muito pertinentes, que nos ajudam a pensar um pouco melhor a questão de pessoas que não somente estão dispostas a entregar a própria vida como também a destruir o maior número de vidas ao redor.

Situação distante de nossa realidade, claro que é revoltante pensar nas vítimas de um homem bomba. Se é desconfortável andar por uma grande cidade com medo da violência urbana, que dirá andar com o receio de passar ao lado de alguém na hora exata que o detonador for acionado.

A questão é muito complexa para ser reduzida à criminalização dos suicidas. É claro que um ataque deste tipo está errado e traz muitos problemas, por outro lado a ideia realmente não é trazer solução, mas estabelecer a insegurança. Para que uma pessoa se disponha a amarrar explosivos no próprio corpo e acionar os detonadores quando estiver rodeado por desconhecidos é preciso mais do que motivação. É necessário doutrinação. Lavagem cerebral, mesmo.

É neste ponto que entra a diferença entre Kamikaze e homem-bomba, sugerida acima. O Kamikaze não sai do escopo militar e ainda que uma guerra seja questionável, durante a batalha prevalece o instinto de matar para não morrer; no caso dos guerreiros japoneses ocorria um suicídio altruísta, morrer significava eliminar inimigos para proteger seu próprio povo.

Homens-bombas não atuam na esfera militar. Suas vítimas são civis, muitas vezes compartilham da mesma nacionalidade, crença religiosa e estilo de vida, por acaso frequentam o mesmo alvo simbólico em comum, enquanto os verdadeiros algozes de seu povo estão em segurança em algum local inacessível aos suicidas.

Uma vez que o objetivo de um ataque suicida não é acabar com a opressão sofrida pelo grupo ao qual o homem-bomba faz parte, e sim criar instabilidade política e insegurança, é bem provável que nos minutos que antecedem à explosão as futuras vítimas não sejam uma preocupação daquele que irá detonar a bomba, mas no filme esses minutos acabam virando vários dias, suficiente para que as particularidades individuais venham à tona.

Esse tempo extra dado ao homem-bomba do filme também é dado às suas vítimas, ainda que estas não saibam o que estava prestes a acontecer antes do voo ser adiado. O mais sedutor ao olharmos para alguém que comete um ato tão cruel é taxarmos logo de louco, maníaco ou qualquer adjetivo que deixe claro sua atitude abominável e o afaste das demais vítimas. Porém um olhar mais cuidadoso indica que todo mundo possui uma história.

Usando a tática narrativa de isolar um grupo de pessoas em determinado ambiente para mostrar as peculiaridades de cada um, o diretor nos mostra variadas personalidades. Muitos estavam eufóricos com a viagem, outros apreensivos dependendo do que motivara o voo, e entre eles Slatan era evidentemente o mais recluso e soturno.

É provável que tenha sido exatamente essa reclusão pessoal que tenha proporcionado ao personagem a empatia ausente nos demais. A maioria dos passageiros estava empolgada demais para prestar atenção no que estava a sua volta, sobretudo em um homem discreto, que parecia fazer questão de não existir para os demais.

Característica nem sempre valorizada, a empatia é uma habilidade rara em uma sociedade narcisista e egocêntrica. Definitivamente não é algo que se espera de alguém que está prestes a explodir todos que o rodeiam, por outro lado é valiosíssima na situação exposta, já que mesmo convivendo com as pessoas do voo, Slatan recusa contatos mais próximos. Observar os que estão próximos e se colocar no lugar do outro pode se tornar decisivo.

O fato de o filme ser uma comédia dá leveza às tramas dos personagens, por maior que seja a tensão de algumas situações. Por outro lado torna o final quase um jogo de cartas marcadas, o que não chega a comprometer a qualidade da obra.


(Não encontrei o trailer legendado, mas tudo bem, o trailer é ruim mesmo...)

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