terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Esse amor que nos consome

Os diretores Allan Ribeiro e Douglas Soares trouxeram para as telas a Companhia Rubens Barbot Teatro de Dança, juntamente com seus integrantes, para um filme que mistura documentário e ficção, mostrando mais que a realidade de um grupo artístico. Dentro do contexto do filme podemos notar uma crítica sensível a questões pertinentes, sobretudo em grandes cidades, como a especulação imobiliária, discriminação social e a dificuldade de exercer uma atividade artística de forma profissional em uma sociedade tão utilitarista.

Com um ritmo mais lento, diálogos bem naturais e planos longos, o filme tenta mostrar o cotidiano de forma fiel, nos aproximando do dia-a-dia dos personagens que encenam suas próprias vidas. Curiosamente destoa de filmes comerciais e consequentemente luta por notoriedade e espaço, assim como a própria companhia que guia a história.

O primeiro impasse a ser superado é a falta de local para ensaiar. Se por um lado os ensaios não demandam muito – apenas uma sala vazia, com espaço suficiente para os integrantes – por outro o grupo não consegue patrocínio e é com dificuldades que consegue se manter ativo. Como em qualquer grande cidade, a despeito da demanda de imóveis para os mais diversos fins, há várias casas e prédios vazios, que permanecem nesse estado por vários anos, se deteriorando, acumulando lixo e sem exercer a função social, que teoricamente é garantida pela constituição.

Foi uma consulta aos búzios, uma entre tantas influências que o candomblé exerce sobre os personagens, que confirmou a viabilidade de aceitar a oferta de um empresário que autorizava o uso de um casarão, ainda que o mesmo estivesse à venda. Enquanto o grupo ensaia alguns interessados visitam a casa, acompanhados pelo corretor, que interage com os responsáveis pelos ensaios com muita naturalidade.

Com um problema ao menos temporariamente resolvido, o grupo segue seus planos. Em paralelo com as ideias que afloram de um coletivo voltado para a arte, o diretor busca patrocínios para ampliar as possibilidades artísticas. Cada vez mais visto como um investimento, os empresários querem patrocinar qualquer coisa que traga lucro para a empresa. Com isso as chances de uma companhia de dança, ou seja, uma expressão artística que insistimos em ver como um passa tempo, receber um bom patrocínio são muito baixas.

Qualquer um que tenha contato com alguma atividade artística, seja a dança, pintura, música, artes cênicas, etc., sabe o quanto a dedicação é diretamente proporcional à qualidade do resultado. O amor à arte consome tempo, consome recursos, consome dedicação, sendo que neste caso não estamos falando em artistas consagrados e bem remunerados, com todas as condições de exercer sua atividade de forma profissional. A grande maioria dos artistas deve exercer outra atividade remunerada para ter seu próprio sustento, que nem sempre dá condições financeiras para que a dança seja exercida ao mesmo tempo.

Assim sentimos o pesar do personagem que comunica ao diretor a necessidade de um afastamento para conseguir um emprego. O lamento expresso quase como um pedido de desculpa é bem compreendido pelo diretor, que conhece aquela situação, mas pouco tem a fazer para resolvê-la.

Ser artista nunca chega a ser fácil, a menos que se tenha nascido em berço de ouro e às vezes mesmo assim o caminho é tortuoso, porém em países com mais tradição artística, principalmente na Europa, as atividades talvez sejam um pouco mais valorizadas. Aqui não temos essa tradição. Somos, desde nossa origem, um país voltado para a produção material, que abastecerá o mercado externo. Ainda que hoje a população tenha acesso à arte e ao consumo imaterial, o caminho do artista ainda é subjugado e visto com preconceito quando comparado a uma profissão economicamente mais lucrativa.

Esse amor que nos consome, entre outras interpretações possíveis, é o amor à arte, à dança, à expressão artística que exige tanto e socialmente retribui tão pouco. Uma vantagem das grandes cidades, que no filme é o Rio de Janeiro, mas a característica se repete nos outros centros urbanos, é que em meio ao caos, ao stress e a pressão por resultados econômicos, há um espaço apertado e de difícil acesso ao que foge da rotina.

Com toda a dificuldade que envolve a dança, além da dificuldade intrínseca de aprimoramento de sua técnica, há a recompensa de viver um sonho quando se consegue superar as dificuldades, alcançando uma vida distinta dos que infelizmente não conseguem superar todos os obstáculos e acabam sucumbindo a uma vida dentro dos padrões, com a segurança de um salário fixo e a ausência deste amor, que nos consome.


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