terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Jovem e Bela (Jeune & Jolie)

Certa vez assisti a uma entrevista de Elza Soares. Quando questionada sobre o que seria se não fosse cantora, ela avisou que a resposta era pesada e disse que seria uma grande prostituta.

Talvez mais que a profissão, o que choca a sociedade nessa resposta é a escolha. O senso comum quer acreditar que a prostituição é a falta de opção. O que sobra para quem não tem outra escolha, a viciada que precisa de dinheiro para se drogar, a mãe solteira que não tem como sustentar os filhos, às vezes até a universitária esforçada que não tem como pagar os estudos.

O filme do diretor François Ozon vem para desconstruir esse mito, talvez até mesmo essa vontade de uma sociedade moralista, de que a prostituição seja restrita a uma escória. Em alguns casos pode ser, mas em outros muitos é uma opção de quem não se prostitui pelo dinheiro, ou pelo menos poderia tranquilamente conseguir um trabalho menos censurado.

Isabelle (Marine Vacth) é quem desconstrói o estereótipo popular. A jovem e bela de 17 anos finge ter 20 para não espantar os clientes. Homens mais velhos. Muito mais velhos. Dispostos a pagar 300, até 500 euros (cerca de 1600 reais) por um programa que Isabelle deve manter em segredo, principalmente da família.

A associação de moralismo com machismo convenciona as críticas, sobretudo em relação às garotas como Isabelle, que não têm necessidade econômica de fazer programas, e à relação da prostituta e sua família. O que irão pensar, o que irão dizer, como vão lidar com o suposto problema e o consenso de que nenhuma mãe cria a filha para ser prostituta.

Durante muito tempo a profissão de uma pessoa era praticamente definida desde a infância. O status social era muito ligado à família e dificilmente alguém conseguia escolher o que gostaria de fazer. Felizmente isso vem mudando e hoje podemos pensar no quanto deve ser infeliz uma pessoa – homem ou mulher – que é criado para satisfazer a vontade dos pais.

O filme é bastante reticente. Mostra pouco da vida dos personagens, assim como um programa as relações parecem curtas, superficiais e frágeis, até mesmo na família de Isabelle. Apenas com o irmão mais novo ela tem um pouco mais de cumplicidade, ainda assim não o suficiente para contar seu segredo. A dúvida que fica é se essa revelação faz alguma falta na vida da jovem, afinal entre os fatores que a atraíram para a prostituição, parece estar o desafio de manter um segredo.

Em relação aos clientes de Isabelle tudo é ainda mais misterioso, condizente com o mundo da prostituição. Diante de uma necessidade tão forte de manter uma moral tão hipócrita, era de se esperar que a prostituição acabasse naturalmente, entretanto muitos dos que a criticam publicamente, servem-se de seus serviços às escondidas. É assim que os velhos casados encontram Isabelle em um site de prostituição, assim que ela é abordada na rua e recebe o convite para seu primeiro programa, assim que muitos clientes moralistas sustentam o que tanto criticam.

Garotas como Isabelle – elas existem aos montes na vida real – são o paradoxo do machismo. São alvos de suas críticas, mas também sustentadas por suas atitudes. A mulher, até então subjugada e humilhada pela necessidade de prostituir-se, passa a dominadora, escolhendo ganhar a vida com a hipocrisia materializada do machismo.

Não fossem imposições absurdas provenientes de uma sociedade patriarcal, que se contradiz doutrinando meninos a serem caçadores de mulheres e meninas a serem adeptas incondicionais da moral cristã, poderíamos ter um cenário em que as relações fossem tratadas com igualdade para homens e mulheres, dispensando assim o comércio de sexo.

Dado que esta evidência está longe de ser posta em prática, o enredo do filme seguirá fiel à realidade por um bom tempo. Garotas que optam por vingarem-se do machismo golpeando suas contradições e homens patéticos que no desespero para afirmar supremacia, recorrem ao poder econômico para na privacidade de um quarto exporem suas fraquezas.

Alguns buscam sexo, outros buscam companhia, outros a ilusão de que podem utilizar uma mulher por serem superiores, quando na verdade sustentam a hipocrisia que transforma em mercadoria o que não é comercializável.

Durante o filme as relações são tênues, sempre implícitas, ocultas e por vezes violentas, mas a que realmente marca é a cumplicidade de uma conversa madura entre a protagonista e uma velha senhora. Ambas com poucas palavras, conforme o filme exige, conseguem se entender, se respeitar e deixar claro uma à outra que as mulheres podem ser fortes diante de atitudes retrógradas e imaturas.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...