terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O som ao redor


A sociedade brasileira vem mudando ao longo dos anos. Processo inevitável, as relações e a estrutura social são moldadas conforme novas necessidades surgem. Apesar disso, filmes como este, do diretor Kleber Mendonça Filho, deixam claro que certas características ganham novas formas, mas mantêm a essência quase intacta.

A história que se desenvolve em Recife poderia ser adaptada para qualquer outra grande cidade, sobretudo litorânea, onde se concentrou a colonização do país. No bairro retratado podemos ver forte influência do coronelismo, que por sua vez tem características do feudalismo trazido pelos europeus, ou seja, um senhor economicamente poderoso, aqui representado por Francisco (WJ Solha), que cria certa dependência com boa parte dos moradores locais, por ser dono de diversos imóveis alugados no bairro.

A partir deste topo da pirâmide vemos os netos do senhor local sempre gozando de privilégios, seja através de Dinho (Yuri Holanda), que pratica pequenos furtos apenas por diversão, sabendo que o avô sempre o protegerá, ou através de João (Gustavo Jahn), que administra os imóveis da família e até demonstra um pouco mais de consciência de sua condição privilegiada, mas ainda assim prefere lavar as mãos na reunião do condomínio que está prestes a demitir o porteiro sem muitos direitos trabalhistas.

Descendo um pouco mais pela pirâmide o filme traz diversos personagens que formam uma massa de moradores interagindo entre si de forma mais igualitária, com problemas de convivência bem comuns, sempre relacionados ao conflito de interesses e à invasão do espaço, mesmo que não seja de forma física, mas através do latido do cachorro, por exemplo.

Um ponto em comum que une os moradores do bairro, mesmo com todas as suas particularidades, é o medo da violência. Formando a base da pirâmide vemos a camada social que não têm condições de pagar o aluguel dos imóveis de Francisco, mas muitos podem manter a relação de dependência, trabalhando direta ou indiretamente para ele, sofrendo preconceitos, que agora devem ser velados, diferentemente da escravidão institucionalizada, e frequentemente buscando algum lugar ao Sol – o que causa incômodo nos moradores que querem se sentir acima desta classe.

Essa estrutura força a burguesia a se enclausurar em uma espécie de burgos contemporâneos que, somados ao individualismo, fazem com que as pessoas queiram resolver as consequências que os problemas sociais trazem a elas, ao invés de solucionar os problemas como um todo, desta forma é criada uma enorme confusão em relação ao espaço público e ao uso do mesmo.

As ruas, espaço público que a princípio deveria proporcionar a convivência sem nenhum tipo de distinção, passa a ser evitada em nome da segurança e posteriormente privatizada com a mesma desculpa. No filme isso se dá com a atuação de um grupo de seguranças particulares, coordenados por Clodoaldo (Irandhir Santos). A suposta empresa chega sem nenhuma referência prometendo segurança àqueles que pagarem por seus serviços, negociando a autorização com o "chefe local", Francisco, e garantindo fazer vistas grossas aos furtos de Dinho.

Um dos grandes destaques do filme é a capacidade de mostrar todas as tensões presentes nessas relações sociais de forma implícita, muitas vezes através do silêncio ou da sutileza com que este é quebrado, de forma intermitente. Não há uma palavra ou agressão direta que expresse o racismo daquele recorte da sociedade, apenas o papel que cabe a cada um naquela estrutura já basta. O silêncio da normalidade quebrado pelo latido incansável do cachorro da vizinha é suficiente para indicar a dificuldade de relacionamento que se estabelece entre aqueles que dividem o mesmo muro.

Vemos através do comportamento das classes que interagem no filme que a herança do colonialismo influencia na tendência de uma sociedade extremamente verticalizada, onde não há interesse na redução das diferenças para que a solução dos conflitos seja uma consequência natural. Há apenas o desejo de ascensão individual, deixando para baixo todos aqueles que não puderem pagar pelo sossego.

Para aqueles que ainda acreditam na justiça desta estrutura, algumas conclusões também ficam latentes na trama. Notamos, por exemplo, que essa escalada na pirâmide social dificilmente é feita sem nenhuma mancha de sangue, além disso, as relações sociais estabelecidas são permeadas por uma tensão constante, capaz de explodir a qualquer momento, quebrando bem mais que o silêncio.


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