terça-feira, 6 de novembro de 2012

Um dia sem mexicanos (A day without a Mexican)


O longa do diretor Sergio Arau não chega a ser um bom filme. Uma pena, pois explora mal um tema rico ao ponto de fazer valer a pena a comédia sem graça, que fornece alguns dados interessantes sobre o tecido social da California, mas que pode ser expandido para diversas outras situações.

Certo dia os imigrantes latinos, cerca de um terço da população do estado, desaparece sem deixar vestígios. Uma neblina densa também isola o estado, sem sinais de telecomunicação ou meios físicos para cruzar as fronteiras. Começa então a aparecer algumas opiniões daqueles que sempre olharam os latinos de cima para baixo, expostas como uma tentativa de humor.

Vemos logo que reduzir os imigrantes, de origens diversas, a mexicanos indica a prática comum de se referir à determinada região, no caso toda a América Latina, como uma massa amorfa de iguais, sem particularidades que valham a pena ser consideradas.

A hipocrisia de se valer de determinada cultura quando é conveniente e rebaixar a mesma conforme haja mudanças no ponto de vista não para na generalização dos imigrantes. A famosa acusação infundada de um californiano de que imigrantes roubam os “nossos” empregos é desconstruída pelo óbvio, latinos nos Estados Unidos, assim como qualquer explorado no território de seu explorador, assume serviços pesados e desagradáveis. Subempregos, com subsalários, para suburbanos.

Apesar de serem mal remunerados pela venda de sua força de trabalho, o total de imigrantes tem peso grande na economia, afinal, mesmo ganhando pouco também consomem, compram e investem o dinheiro na economia local. Em contrapartida recebem pouco retorno financeiro e social.

Relegados às áreas menos nobres da cidade, com pouco investimento por parte do governo ao qual pagam impostos, aqueles que são alvos de preconceitos geram um equilíbrio extremamente favorável àqueles que naturalizam a exploração e ainda culpam os explorados por toda e qualquer dificuldade cotidiana.

O discurso patético dos que se valem de uma posição social para manter a estrutura de poder se torna ainda mais risível quando tenta lançar um olhar sobre a realidade do outro. É mais fácil para o mais pobre ter noção de como é a vida do rico, seja pelo contato devido aos serviços prestados, seja pela televisão, o que acaba naturalizando o preconceito e este acaba descaracterizado, visto no máximo como dívida histórica, quando na verdade é atual, com raízes antigas.

A naturalização do preconceito contra quem vem de fora casa muito bem com a predisposição de não assumir os próprios erros. Conforme nos indica Fernando Pessoa, "Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo." Assim, se uso o acostamento por este ser a única via desobstruída onde posso correr com meu carro, a culpa é de quem vem de fora e entope as ruas com carros; se meu filho se envolve em alguma confusão, a culpa é dá má companhia dos que vêm de fora; se tenho que pagar propina para me livrar de alguma punição mais séria, é porque fui forçado a driblar uma suposta injustiça social, que desta vez não é a meu favor.

Seguindo esta lógica maluca, um roteiro se repete sempre após as eleições. Alguns são a favor do derramamento de sangue contra a violência, outros apoiam a presença maciça da igreja na política, mas uma opinião é quase unânime: Se meu candidato não ganha, a culpa é de quem vem de fora.

Estamos em uma democracia onde, ao menos em tese, o pluripartidarismo representa a sociedade multifacetada e as eleições serviriam para que essas múltiplas faces fossem representadas no poder. Problemas estruturais a parte, é cômodo acusar de ignorância aquele que ao menos deveria tentar votar em quem lhe garanta os direitos à sua classe, ao invés de corroborar os direitos dos exploradores supracitados.

Sem dúvida há uma série de fatores que influenciam em tomadas de decisões por parte de políticos eleitos, não por acaso esses fatores refletem e muito a estrutura estabelecida entre exploradores e explorados. Apesar disso, aquele que se encontra em situação semelhante a dos latinos retratados no filme e vota em alguém que pretende lutar por melhores condições para aqueles que contribuem muito e recebem pouco, não é ignorante nem interesseiro. Não mais do que quem já é favorecido pelo modelo atual e vota pela manutenção do status quo


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