terça-feira, 13 de março de 2012

Nossa vida não cabe num Opala

O filme do diretor Reinaldo Pinheiro conta a história de quatro irmãos que, depois da morte do pai (Paulo Cesar Pereio), continuam a vida dura, com uma série de problemas e que, principalmente através da relação de dependência com Gomes (Jonas Bloch), revelam implicitamente relações de poder impostas por questões de gênero e, sobretudo econômicas.

Para ganhar a vida os dois irmãos mais velhos, Monk (Leonardo Medeiros) e Lupa (Milhem Cortaz), roubam carros. Os dois têm perfis diferentes, já que o primeiro chega a ser criticado por ter estudado, gostar de leitura e não ter, materialmente, ganhado nada com isso, enquanto Lupa, que ganha destaque com a ótima atuação e com a quebra certas tensões com um pouco de humor, sempre se orgulhou de, aparentemente, viver a vida da forma que lhe convém, avesso às formalidades e imposições sociais. O estudo parece não ter feito diferença entre os irmãos e o alvo dos roubos não é qualquer carro, mas Opalas, carro antigo que sempre foi símbolo de masculinidade.

O irmão mais novo é Slide (Gabriel Pinheiro), que tem os mais velhos como referência e mesmo contra a vontade deles quer seguir os passos de ladrão de carros. Um ponto em comum entre os três, herdado do pai da mesma forma que a profissão, é a dependência de Gomes, que financia a família e faz com que os roubos sejam lucrativos. Evidentemente que essa relação não é harmoniosa e os irmãos são explorados economicamente. Todos têm consciência disso e a todo o momento lembram Gomes que o finado pai foi arruinado por ele, que deixa claro sua indiferença.

Por fim, a única irmã é Magali (Maria Manoella), que apresenta outra relação de dominação muito presente na história. O machismo é latente ao longo de todo o filme, a ponto de incomodar, indignar e envergonhar qualquer pessoa. Todos os homens do filme são machistas, cada um de sua forma, e Magali é o principal alvo, sobretudo de Gomes. A tímida tecladista que se apresenta em um bar, onde é obrigada a abandonar suas preferências musicais e tocar músicas bregas, para atrair clientes ainda mais bregas, acaba sendo assediada de forma repugnante, por homens que insistem em tratar mulheres como mercadoria. Gomes, indicado como o melhor cliente, é o que mais considera como virtude ter dinheiro para pode pagar pelo que quer.

Até aqui o filme, infelizmente, retrata o cotidiano. Não faltam exemplos reais que corroboram os estereótipos encenados, porém é interessante notar a submissão do machismo ao poder econômico, indicando inclusive, ainda que historicamente mulheres sejam as grandes vítimas desse absurdo sem nenhum sentido, que o machismo em si não chega a ser benéfico para o homem, a menos que ele detenha também o poder econômico.

Os três irmãos, orgulhosos em ostentar a virilidade quando estão juntos, acabam ocasionalmente saindo com Silvia (Maria Luiza Mendonça) e ela é o exemplo mais claro de como muitas vezes a imagem que o machismo impõe ao homem é insustentável, sobretudo quando estes são sobrepujados por outras relações de poder. Aqueles mesmos machos que contam vantagem nos botecos com histórias nas quais são mais que heróis, mostram-se perdidos diante de Silvia, tão submissos diante das mulheres quanto diante daqueles que os oprimem economicamente. O único que consegue se manter um pouco mais coerente é Monk – que fique claro que ser coerente para sustentar o machismo não é nenhum triunfo.

De maneira sutil, por vezes cômica, o filme mostra como a vantagem que o machismo oferece à maioria dos homens não passa de migalhas para confortar ignorantes, que caso percebessem os absurdos ao que se sujeitam, poderiam unir forças contra a dominação econômica, ao invés de contar vantagem sobre uma falsa postura, que sustenta uma superioridade que na maioria das vezes não beneficia quem a detém.

No caso do filme, o machismo é o elemento que satisfaz os irmãos, que com exceção de Monk mal se dão conta da própria condição de marionetes, pois quem realmente ganha com toda a situação exposta é Gomes, que por deter o poder econômico diante dos irmãos, inclusive Magali, pode até utilizar as táticas mais mesquinhas para obter o que quer, sem a oposição por parte dos desarticulados oprimidos, jogados uns contra os outros por uma estrutura social predatória.


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