quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Separação (Jodaeiye Nader Az Simin)

O título da obra de Asghar Farhadi já nos remete a escolhas difíceis. Uma separação, de qualquer natureza, não é fácil, envolve uma série de ponderações e por mais que seja consensual, sempre haverá divergências – por vezes intencionais – a serem superadas. Como se fosse pouco, o enredo traz mais uma série de situações difíceis cujas escolhas dos personagens ganham complexidade por conta do machismo, fundamentalismo e conflitos de classes.

A separação que guia o filme é pedida por Simin (Leila Hatami), que quer seguir sua carreira no exterior, enquanto o marido Nader (Peyman Moaadi) alega que precisa cuidar do pai, com estágio avançado de Alzheimer. Simin não vê motivos afetivos para o divórcio, elogia o marido, mas vive o drama que a vida moderna cobra dos casais. Há algumas décadas a maioria das mulheres trabalhava cuidando da casa e dos filhos. Com a mais que merecida igualdade de direitos, que ainda engatinha em alguns aspectos, as mulheres passaram a estudar mais, trabalhar fora (geralmente fazendo jornadas duplas, por não poder abandonar a árdua jornada no lar) e frequentemente o relacionamento torna-se um empecilho na vida do casal. Ou seja, quando apenas um dos dois trabalha é mais fácil para o casal enfrentar mudanças juntos, quando as obrigações atraem ambos para lados opostos, as coisas ficam mais difíceis, complicando ainda mais com a presença de filhos, como no caso da família iraniana em questão, com a filha adolescente Termeh (Sarina Farhadi), que não aceita a separação dos pais.

A situação de Nader também não é nada fácil. Optar entre manter a família unida ou continuar dando atenção para o pai doente, sobretudo quando se está sob uma forte tradição de união entre pai e filho, é uma tarefa ingrata. Pouco importa que o mal de Alzheimer impeça que o pai lembre-se do filho ou que uma enfermeira possa dedicar-se ao idoso em tempo integral, a doce ilusão de que a nossa presença fará bem ao ente querido é mais que suficiente para deixar alguém bem confuso quando está na mesma situação que Nader. É evidente que, dificuldades pessoais a parte, o personagem tem um grande aliado: o machismo que faz com que o pedido de divórcio tenha que ser julgado, por um homem, que dirá se o motivo alegado pela esposa é válido ou não.

No meio desta situação bastante desconfortável Razieh (Sareh Bayat) é contratada para cuidar do idoso e é ela quem acaba revelando as dificuldades mais desnecessárias dos conflitos. Por um lado os costumes rígidos de ordem religiosa impõem uma série de restrições que limitam os serviços de Razieh; seguindo a risca os preceitos religiosos ela nem poderia exercer o trabalho. Mas ao mesmo tempo o capitalismo também atua no Irã, dividindo a sociedade em classes e fazendo com que os mais pobres tenham que optar entre a tradição religiosa e o pagamento das dívidas. Essa é uma escolha muito mais difícil de ser compreendida aqui. Nossa sociedade tende a compreender com maior facilidade a ideia de um casal que não quer se separar, mas ao mesmo tempo não tem como continuar junto. Mais difícil é aceitar que costumes tenham a força de impedir a obtenção de um emprego e, quase impossível, é encararmos com estranhamento a relação de poder que se estabelece com base na classe social, de tão enraizado que é este tipo de relacionamento.

O comportamento de Nader em relação a Razieh pode até ser atenuado com base na relação pai e filho, já que é bastante aceitável que ele espere o melhor tratamento para o pai e pode agir por impulso em determinadas situações, mas mais uma vez o machismo está do lado de Nader, mesmo que o personagem seja muito menos machista do que o estereótipo que construímos da sociedade em questão, é possível notar um amparo diante de agressões cuja simples existência já caracteriza uma violência inaceitável.

O enredo do filme, baseado em estruturas complexas de relações conturbadas, mostra que a vida é repleta de escolhas difíceis, que podem se tornar ainda mais complicadas diante de tradições incompatíveis com o estilo de vida moderno. Tais tradições, religiosas, sociais ou de qualquer outra origem, podem fornecer amparo e guiar as decisões pessoais de cada personagem, mas fica nítido que em conflitos a hierarquia sem sentido prático é utilizada em benefício de poucos, perpetuando relações de poder e dificultando a solução de problemas, ou até mesmo criando empecilhos desnecessários.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...