terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

2 Coelhos

Afonso Poyart estreou em longas metragens em grande estilo ao dirigir seu próprio roteiro. A trama entrecortada, estrelada por nomes consagrados do cinema nacional, ganhou efeitos acima da média para produções nacionais, tendo ritmo frenético e fortes referências hollywoodianas, sem deixar de lado algumas marcas típicas do cinema nacional, como o bom humor permeando situações tensas.

Podemos ver diversos problemas sociais e políticos do país unidos em uma única trama através do plano mirabolante de Edgar (Fernando Alves Pinto) de roubar uma quantia milionária de dinheiro, proveniente das falcatruas envolvendo o traficante Maicon (Marat Descartes), o deputado Jader (Roberto Marchese) e informantes que trabalham no judiciário, principalmente Júlia (Alessandra Negrini). Nas entrelinhas da trama existem várias referências a muitos problemas que ou servem de suporte para os grandes crimes financeiros, como a desigualdade social expressa de diversas formas, ou ocorrem de forma mais pontual, como a direção imprudente, que diariamente causa tantas vítimas em nosso país.

Separando um pouco os problemas abordados, já que isoladamente todos já causam grandes transtornos, vemos que uma população com consciência eleitoral é fundamental, mas isso não chega a resolver todos os problemas. Criticando a eleição de candidatos que mais parecem artistas de stand up comedy e de despreparados que encaram o cargo público como um visto permanente para a impunidade, Poyart deixa implícito que esse tipo de bandido é apenas uma das partes envolvidas em grandes esquemas de criminalidade.

Votar de forma séria e correta é evidentemente fundamental em um regime que ainda tenta ser democrático, mas quando parte do judiciário, escolhido a dedo com base em amizades e favores pessoais, está disposta a reforçar o salário significativamente alto auxiliando esquemas ilícitos, o problema foge da alçada do voto. A conveniência de um esquema tão vantajoso para políticos e juízes vem inibindo tentativas de reforma política há muito tempo, além da dificuldade de se manter informações sigilosas entre funcionários que devem ser de confiança, mas que podem ser seduzidos pela tentação do dinheiro fácil.

O crime organizado também mostra sua força no filme. Agindo muito além do tráfico de drogas – ainda que fortemente subsidiado por este – muitos criminosos como Maicon tiram proveito de grandes esquemas ilegais para conseguir ainda mais dinheiro, capaz de sustentar a indústria do tráfico de forma mais eficiente que qualquer usuário, por ter lucro alto com menos interferência da polícia, já que envolve pessoas do alto escalão do judiciário e da esfera política. O crime organizado é um dos braços armados de um sistema estruturado para trabalhar com grandes quantias de dinheiro sujo, sem despertar muitas suspeitas. O outro braço armado costuma ser a própria polícia, que não tem destaque no filme, mas que dificilmente não participa de transações ilegais como a retratada no filme.

Em meio a tantas falcatruas a população costuma servir de coadjuvante, muitas vezes sem nem se dar conta de que muito dinheiro desviado é produto de roubo direto do cidadão. Diante das diversas formas de violência, a abordagem direta de um indivíduo para adquirir seu dinheiro ou bens pessoais é apenas uma forma de agressão, as mais impactantes do ponto de vista econômico e social são as agressões veladas, que vão desde o favorecimento de criminosos de altas classes sociais (absolvendo um filhinho de papai que age fora da lei, por exemplo), até o desvio de verbas que seriam destinadas a hospitais, escolas, etc. minando assim o atendimento da população que não tem condições de optar pelo serviço privado e comprometendo em vários sentidos a formação destes cidadãos, que de uma forma ou de outra terão que sobreviver. A maioria se sujeita à vida de servidão, ganhando menos que o necessário para sanar as necessidades básicas, outros seguem um caminho que fecha o ciclo de violência, não necessariamente chegando ao comando do crime organizado como Maicon, mas geralmente cometendo assaltos e furtos como Velinha (Thaide).

Edgar é uma exceção entre a maioria da população. Resolve armar um plano extremamente elaborado para colocar os corruptos em conflito e ainda se dar bem. Diante da falta da polícia, que não interfere nos conflitos do filme, o personagem tenta fazer justiça com as próprias mãos – até certo ponto, pois o dinheiro em questão, caso a execução do plano seja um sucesso, permanecerá nas mãos de uma pessoa, em detrimento de tantas outras.

É evidente que a solução encontrada por Edgar é absurda e deve ficar restrita às telas, mas a acumulação desenfreada de capital estimula, como vemos no filme, as alianças mais inusitadas. Do chefe do crime ao deputado incompetente, passando por esferas do judiciário, a corrupção e suas diversas variantes seduzem ao ponto de uma minoria numérica conseguir acumular poder suficiente para manter um ciclo de roubos sem limites. Lutar por uma democracia social, ao invés de aceitar uma tentativa pobre de democracia política, extrapola ideologias ou viés político e visa simplesmente uma sociedade mais justa e menos insegura, por não se sentir refém de grandes falcatruas, como a que é exposta com maestria em 2 Coelhos.


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