terça-feira, 12 de julho de 2011

Chuva (Lluvia)

Acho que a chuva ajuda a gente a se ver.
(Caetano Veloso)


Este longa da diretora argentina Paula Hernández tem enredo bastante simples e conta com basicamente dois personagens interagindo ao longo do filme. Apesar da simplicidade, o trabalho proporciona grandes reflexões, evidenciando de forma bastante curiosa a relação, tanto do indivíduo com a cidade onde habita, quanto deste com outras pessoas.

Em meio a uma tempestade que deixa Buenos Aires com o trânsito bastante familiar aos paulistas, Alma (Valeria Bertuccelli) dá de cara com um desconhecido que entra em seu carro, fugindo misteriosamente de uma multidão enfurecida. Aos poucos ela descobre que o desconhecido é Roberto (Ernesto Alterio) e quem assiste descobre que, apesar da fuga inusitada, ele não é muito mais misterioso que Alma, que carrega sempre um porta-malas cheio com seus pertences e parece morar em seu carro.

Não demora a descobrirmos que Alma abandonou o marido e agora está sozinha. Mesmo em uma grande cidade como Buenos Aires a personagem, além de não encontrar um lugar para viver, tem que lidar com o sentimento de solidão e desamparo, capaz de fazer com que até o desconhecido Roberto ganhe status de grande amigo, apenas para ter com quem interagir. O mais curioso é que essa parece ser uma opção de Alma, já que ela conversa com a mãe pelo telefone e reencontra com amigos em uma festa, mas parece realmente desejar abandonar seu passado, ao menos enquanto a tempestade de sua vida, em conjunto com a chuva que não cessa ao longo do filme, não passa. Nem mesmo os telefonemas do marido, abandonado sem maiores esclarecimentos, são atendidos.

A princípio Roberto veio da Espanha para resolver alguns problemas de família, passando a lembrar da conflituosa relação com o pai. Não é por acaso que o objeto que marca a relação com o pai, e até acaba ajudando no encontro com Alma, é um piano, ou seja, algo que pode produzir belas melodias, sendo ao mesmo tempo pesado, trabalhoso e difícil de carregar. Durante a viagem ocorre o inesperado encontro. Se uma grande cidade tem a capacidade de isolar pessoas, mesmo abrigando tanta gente que convive diariamente, ainda que por obrigação, esta mesma grande cidade também proporciona encontros únicos, como o que vemos no filme, e infelizmente costumam não ser tão bem aproveitados quando ocorrem na vida real. Na ficção, Alma e Roberto, depois de certa resistência natural, começam a expor suas vidas e em pouco tempo a amizade entre os dois proporciona para ambos uma espécie de análise, na qual falando dos próprios problemas os personagens começam a perceber os próprios defeitos e a encontrar soluções satisfatórias.

Para a protagonista o novo amigo é a possibilidade de uma alavanca para retirá-la de um estado quase letárgico – resta saber se ela aproveitará isso. Ambos não são mais dois adolescentes com tantas certezas erráticas sobre a vida, de forma que podem perfeitamente tirar proveito da nova amizade, sem tornarem-se dependentes ou mesmo prejudicar um ao outro. Pode não ser tarefa das mais fáceis, mas sem dúvida a experiência de vida pode auxiliar muito, desde que as pessoas envolvidas tenham vivido dispostas a aprenderem com o tempo.

Roberto tem um papel que a princípio pode parecer mais fácil, pois em breve retornará ao seu país e reencontrará sua família, diferente de Alma que deve reestruturar toda sua vida, porém a gentileza do personagem, notada desde o início, e a forte identificação que tem com a moça podem gerar grandes dilemas a serem superados. Ou seja, é necessária uma síntese entre os benefícios que a nova amizade lhe trouxe, ajudando a esclarecer melhor seus próprios problemas e sentimentos, e os novos problemas que podem surgir.

Através de problemas bem comuns fora das telas, vemos atitudes plausíveis dos personagens, que têm o mérito de aceitar muito bem os encontros casuais que uma metrópole proporciona. Novos contatos nos proporcionam novas experiências e uma troca de conhecimentos que permite maior crescimento dos indivíduos. Impasses são naturais, se não buscarmos nenhum, eles nos encontrarão; mas experiência e conhecimento para lidar com os problemas e com as dúvidas da melhor maneira possível dependem muito da disposição que temos para obtê-los. Se por um lado a chuva incomoda e torna os dias cinzas, por outro lava e renova.

Mais uma boa produção argentina, que não ganhou grande destaque nas telas brasileiras. Produções conjuntas entre os dois países seriam muito bem vindas.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...