quinta-feira, 3 de março de 2011

O diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank)

Sinto-me como um pássaro a quem cortaram as asas e bate contra as grades da gaiola estreita. Em mim soa como que um grito: para fora! Tenho saudades, quero sair. Sair daqui, para o ar livre, quero poder rir à vontade! Não há resposta! Mas sei que esses gritos não têm poder, e deito-me na cama para matar estas horas tão terrivelmente silenciosas e cheias de angústia.
(trecho do diário de Anne Frank)

Anne Frank foi uma jovem alemã e com a ascensão do Nazismo sua família foi mais uma a ter que sair do país que passou a perseguir judeus. Como se esse êxodo forçado não fosse bastante absurdo, o Reich expandiu suas fronteiras e, consequentemente, a caça aos judeus. Com isso os Frank foram obrigados a encontrar um esconderijo na Holanda. Com o auxílio de amigos a única opção foi o sótão de uma fábrica, dividido com a família Van Daan e posteriormente também com Albert Dussell.

O diário que a jovem iniciou pouco tempo antes de se refugiar foi atualizado durante os dois anos em que as duas famílias dividiram um pequeno espaço, com comida racionada e com a necessidade de manterem-se escondidas até mesmo dos funcionários da fábrica que funcionava no andar abaixo. O diário de Anne Frank virou livro, publicado na íntegra, e posteriormente foi para as telas com a direção de George Stevens. No cinema o título perde um pouco do sentido, pois não tem o tom pessoal do relado de Anne (interpretada por Millie Perkins), mas tem a grande vantagem de retratar com precisão as dificuldades encontradas pelas famílias, o espaço minúsculo para oito pessoas, e como a insanidade de uma guerra proporciona o desencadeamento de uma série de outras loucuras, que seriam inimagináveis.

O longa foi rodado no esconderijo real, com poucas cenas externas e, somado à estética em preto e branco a sensação de opressão pelo pouco espaço e pelas dificuldades mais que naturais geradas pelo confinamento chega com clareza às telas, evidentemente muito distante da real sensação dos refugiados.

Essa situação extrema de confinamento da margem a uma série de análises, porém a situação de Anne Frank chama a atenção, não apenas por ser a autora do diário, mas também pela transformação na vida de uma adolescente, que ainda tem muitos conceitos a serem formados. Oito pessoas em um cubículo por mais de dois anos é uma tortura para qualquer um, sendo possível notar nuances de como o sofrimento se exterioriza para os personagens.

Os adultos têm seus hábitos consolidados, se por um lado a experiência deveria ajudar a superar os momentos difíceis, por outro as manias das quais não querem abrir mão costumam acarretar grandes discussões e conflitos. Anne é a mais jovem – entrou no abrigo com apenas treze anos –, sua irmã Margot (Diane Baker) e Peter Van Daan (Richard Beymer) são alguns anos mais velhos; as transformações da adolescência geram grandes problemas – imagine confinar pessoas em uma idade que costuma ser marcada por descobertas, desafios aos limites e por vezes rebeldia – e isso é o que nos faz prestar mais atenção em Anne, pois é notável seu amadurecimento ao longo do tempo e a adaptação à sua nova realidade.

O rigor dos estudos e a repressão severa ao comportamento dos jovens são mantidos pelos adultos durante todo o tempo que ficam presos, o hábito de infantilizar os filhos é bem evidente e a tentativa dos pais de manter o controle até mesmo sobre os sentimentos dos adolescentes muitas vezes é levado ao extremo. Além dos danos físicos aos jovens, que são privados até mesmo do Sol, há o terror psicológico de não poder conversar durante todo o dia, ser afastado das antigas amizades – sabendo que os amigos provavelmente estão sofrendo em um campo de concentração – e lidar com as transformações da adolescência, que costumam demandar exatamente o contrário do que os jovens viveram.

O filme é longo e denso, o que aumenta ainda mais a incredulidade de como as oito pessoas suportaram uma situação tão extrema por tanto tempo. Os horrores da guerra foram narrados em infinitas obras, há centenas de livros, filmes, quadros, esculturas, ficções, narrações, etc. O impacto que cada uma traz é muito variável, mas poucas são tão chocantes quanto o Diário de Anne Frank, talvez pela forma com que a jovem encara a situação pela qual vive, conseguindo reprimir seus sentimentos na maior parte do tempo, deixando transparecer bom humor e amabilidade, por vezes até assumindo culpas que poderiam ser atribuídas a qualquer um, menos à vítima. Esperamos por uma explosão, que seria mais que justificada, o rompimento, ainda que em lágrimas, mas as reações são sempre centradas, com a maturidade que nunca esperaríamos de uma menina de treze anos.


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