terça-feira, 8 de junho de 2010

Morango e Chocolate (Fresa y Chocolate)

Esta foi a primeira parceria de Tomás Gutiérrez Alea com Juan Carlos Tabío, pois a saúde de Alea já estava debilitada. Um filme extremamente sensível, focado em diálogos talentosíssimos nos quais estereótipos opostos são articulados, formando algumas metáforas que, como é característico nas obras de Gutiérrez, podem ser usadas tanto para criticar quanto para apoiar o regime cubano, dependendo da tendência política de quem assiste.

Aqui vemos David (Vladimir Cruz), filho de camponês que graças à revolução tem acesso à universidade, entretanto seria o que chamamos no jargão político de “massa de manobra”. Aceita tudo o que é imposto pelo governo, sem ousar questionar, tal qual uma doutrina religiosa. Em seu caminho aparece Diego (Jorge Perugorría), homossexual assumido, que sofre discriminação como em qualquer país do mundo e transborda cultura, citando desde autores mais populares como Woody Allen e Hemingway, até Cavafis, poeta helênico cuja obra é permeada pela temática homossexual. Diego não é contra a revolução, tão pouco deseja a intervenção estrangeira, mas indica que o regime cubano tem falhas como qualquer outro – ou alguém diria que a “democracia” norte americana é perfeita depois da crise econômica recente? – e aos poucos essa relação entre o machista extremista e o homossexual com ideias alternativas vai sendo lapidada, com pitadas de humor e muita emoção.

As nuances do filme chamam a atenção para pontos interessantes, amplamente abertos para interpretação. As poucas cenas externas mostram pobreza, mas nunca miséria; Nancy (Mirta Ibarra) que é amiga de Diego mostra sua religiosidade expressa por um misto de catolicismo com candomblé, que indica não só o amalgama de religiões africanas e ocidentais como vemos no Brasil, mas também o simples fato de cubanos terem religião e expressá-la, que seria um fato normal, não fosse a maneira tragicômica como o tema é tratado mundo afora por contrários ao regime; entre os pequenos trechos de músicas apreciadas por Diego está uma obra de Ignacio Cervantes, que o personagem indica ter sido expulso de Cuba, e este fato nos leva a criticar o regime castrista, até a revelação de que o artista foi expulso pelos espanhóis, antes da independência – cabe aqui deixar claro que Cervantes teve que deixar o país ao ser descoberto quando fazia diversos concertos pelo país afim de arrecadar fundos para a luta pela libertação da então colônia.

É possível notar que os motivos podem ser distintos, mas os problemas enfrentados em Cuba podem ser sentidos fora da Ilha. Basta tentarmos fazer uma exposição artística no Brasil, para utilizarmos o exemplo do filme, já que Diego luta para isso o tempo todo, para nos depararmos com a burocracia, coibindo a arte que continua incompreendida por boa parte da população. A própria questão da homossexualidade transcende as fronteiras cubanas, uma vez que o comportamento machista de David e da sociedade como um todo poderia ser encontrado em qualquer país do mundo, pois ainda que São Paulo organize uma parada gay que reúne milhões de pessoas, homossexuais continuam sendo assassinados devido à orientação sexual. Desta forma, mais que um debate que se limita a defender ou rechaçar o regime cubano, Gutiérrez e Tabío nos dão material para muita reflexão sobre nós mesmos e problemas onipresentes.

Uma interpretação possível para a metáfora de morango e chocolate é a junção benéfica de duas substâncias distintas, com características bastante peculiares, uma natural, outra processada, que são boas individualmente, mas podem ser melhores em conjunto. Assim como o produto gerado pela proximidade de David e Diego, cada um com seus ideais que, quando em contato, podem influenciar um ao outro de forma benéfica, dialética e produtiva.

Um excelente trabalho de um revolucionário que apoia o regime cubano de forma inteligente, indicando pontos falhos com o intuito de aprimorá-los e tem liberdade para expor sua obra no país, mesmo com suas críticas. Gutiérrez apenas peca na última cena, pois de tão bem feita, mereceria ser mais longa. Jorge Perugorría dá um banho de interpretação que culmina em uma linda cena, que independente de qualquer posicionamento político, merece ser vista.


Não encontrei nenhum trailer legendado em português.

Um comentário:

Elaine Dal Gobbo disse...

olá! Acabei de vir de Cuba e gostaria de saber mais sobre este filme. Adorei ler sobre ele aqui. Vou linkar este post no meu blog sobre turismo, onde falo sobre a soveteria Coppelia e cito o filme Fresa y Chocolate. Abraços.

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