segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Fita Branca (Dass Weiße Band)

A Fita Branca teve indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano. Não ganhou a estatueta e de fato não era para tanto, pois apesar de muito interessante o corte final ficou muito longo, com trechos cansativos. O diretor austríaco Michael Haneke mostra aspectos da sociedade alemã pouco antes da Primeira Guerra, indicando que aquele modo de vida culminou na geração do nazismo, duas décadas mais tarde. Uma ideia talvez sedutora, fortemente baseada nas teorias de Theodor Adorno, porém o fenômeno nazista é complexo demais para ser reduzido apenas a uma única explicação.

A história ocorrida na pequena vila alemã é narrada pelo professor de música (Christian Friedel), que deixa claro já no início se tratar de um relato pessoal, portanto parcial, e que são acontecimentos importantes para compreender os eventos dramáticos ocorridos na Alemanha posteriormente.

Mais importante que os fatos é o contexto em que eles ocorrem. Haneke nos mostra uma sociedade protestante, com adultos moralistas impondo leis draconianas às crianças, o pastor (Burghart Klausner) chega a amarrar as mãos do filho Martin (atuação muito marcante do jovem Leonard Proxauf) para que ele não se masturbe, porém a hipocrisia é revelada quando os defensores da moral têm atitudes extremamente machistas e chegam a abusar das próprias filhas – fatos ocorridos há um século que lembram as recentes acusações de pedofilia na igreja católica. Quando Martin se equilibra sobre o corrimão de uma ponte, alegando dar a Deus a chance de matá-lo, vemos a metáfora da vida das crianças, sempre no fio da navalha entre o pecado e a arbitrariedade dos adultos.

É nessa sociedade em que estranhos atentados acontecem. Tentativas de assassinato, um incêndio criminoso, crianças encontradas com sinais de tortura e vários detalhes que nos lembram os horrores do Holocausto. Por desobedecerem ao pai, os filhos do pastor devem andar com uma fita branca atada ao corpo, tal qual os judeus eram marcados na Alemanha nazista para serem diferenciados da suposta “raça pura”; entre as crianças vemos Karli (Eddie Grahl) que tem síndrome de Down e é uma das vítimas agredidas, assim como deficientes foram alvo de extermínio dos nazistas, para os quais um estado beligerante não deveria tolerar aqueles que não poderiam servir ao exército. E seguem algumas nuances que indicam a relação daquelas crianças com a geração que promoveu o Holocausto.

Na dúvida de quem seria o autor dos crimes cometidos na vila até as crianças são suspeitas e chama a atenção o fato da suspeita ser plausível, ou seja, mesmo a narrativa da história sendo parcial – pois quem narra a história é o professor que começou a suspeitar da idoneidade das crianças – não seria impossível que as vítimas do autoritarismo tenham se voltado contra os agressores, ainda que a resolução dos crimes não seja o alvo do filme, sendo impossível concluir sem dúvidas quem é o criminoso.

Evidentemente a descrição de fatos de uma pequena vila não basta para finalizar as causas do nazismo, e esta explicação é no máximo uma peça do quebra-cabeça que forma o Holocausto. Apesar do filme não ser uma grande obra prima, vale a pena ser visto, se não pela suposta origem do nazismo, pela transição da sociedade e uma verdadeira inversão de comportamento. Enquanto hoje vemos as pessoas presas à juventude eterna, buscando rejuvenescer a qualquer custo, no início do século XX tínhamos a infância suprimida, com as crianças forçadas à vida adulta desde as vestimentas até a forma de agir e de serem punidas (ou agredidas).


quinta-feira, 15 de abril de 2010

Sonhos Roubados

Sonhos Roubados é a versão cinematográfica da diretora Sandra Werneck para o livro “As meninas da esquina”, de autoria da jornalista Eliane Trindade. O filme é o retrato da vida de três adolescentes que vivem em uma favela carioca - poderia ser em qualquer outra cidade - têm famílias bastante desestruturadas e descobrem cedo as durezas da vida, como o contato constante com a violência em suas diversas formas, o tráfico de drogas e a prostituição como um meio rápido, porém nada fácil, para conseguir dinheiro. No longa, algumas histórias foram unificadas para dar ritmo ao trabalho e algumas partes suavizadas.

Atualmente, a crítica imediata ao enredo do filme é a de que o cinema nacional está viciado em violência, pobreza, sexo e temas do tipo, entretanto o argumento pode ser facilmente refutado, visto que as últimas grandes bilheterias não abordam quaisquer destes temas. Além do mais, os cineastas que desejam filmar um pouco da sociedade brasileira cairão inevitavelmente nos problemas que a permeiam. Logo as críticas caberiam não aos filmes, mas à estrutura social que produz os elementos abordados nos mesmos.

Conforme Machado de Assis já indicava em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, a pobreza não reduz o desejo do indivíduo às necessidades extremamente básicas, sendo que mesmo aquele que pede esmolas deseja mais que a indispensável alimentação. Esta característica ganha força na sociedade atual, com o consumismo muito mais cultuado do que na época machadiana, e as adolescentes retratadas, como não poderia deixar de ser, também são suscetíveis à moda, ao consumo e às tendências que chegam aos jovens, sejam eles de classe média sustentados pelos pais, sejam da periferia precisando buscar sustento logo cedo e lidar com tantos obstáculos.

As amigas, Jéssica, Sabrina e Daiane (Nanda Costa, Kika Farias e Amanda Diniz, formando a nova geração do elenco) sonham com um namorado, com roupas novas ou uma festa de 15 anos. Tudo muito simples, não fosse a gravidez que chega de forma inesperada, os abusos sexuais dentro da própria casa por parte do tio pedófilo, o pai ausente que insiste em manter a indiferença diante da filha, que sonha com a figura paterna idealizada, e uma infinidade de fatos que chegam a parecer fabulação aos que estão distantes dessa realidade, mas que grande parcela da população conhece bem – aliás, a parcela que não vai ao cinema, logo, a que não opina sobre o suposto viés monotemático dos filmes nacionais.

Há grande atuação também dos atores consagrados, coadjuvantes do filme. Marieta Severo encena a cabeleireira Dolores, que na medida do possível ajuda Daiane oferecendo emprego em seu salão (cujo salário a menina complementa com a prostituição), orientando-a a denunciar o Tio Pery (Daniel Dantas) e a cobrar pensão do pai (Ângelo Antônio). Nelson Xavier é o avô de Jéssica, o idoso que precisa manter a oficina de bicicletas para aumentar um pouco a renda da família, ao invés de descansar e aproveitar a aposentadoria, que neste caso é um sonho inatingível.

Diante das várias propostas de roteiro que Eliane Trindade recebeu para seu livro, optou pelo de Sandra Werneck, sendo um dos motivos o desejo de dar um olhar feminino para a história. O resultado é um filme que mostra uma realidade infelizmente mais comum do que pensamos, sem julgamentos ou lição de moral, que critica de forma competente as diversas faces da violência sexual, desde o milenar machismo até a falta de escolaridade e formação profissional – quando Sabrina está grávida, por exemplo, lhe resta entregar panfletos no sinal para ganhar dinheiro, serviço menos censurável, mas menos rentável.

O livro e o filme podem trazer à tona um tema que não agrada, mas não seria mais pertinente mudar as condições de vida do que as temáticas abordadas?


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Utopia e Barbárie

Silvio Tendler é o diretor que consegue destaque no cinema nacional mesmo com documentários, gênero que costuma chamar a atenção apenas de um público bastante específico. Desta vez sua obra é um recorte histórico da segunda metade do século XX, mostrando as utopias de uma geração sedenta de mudanças e as barbáries promovidas pelos detentores do poder.

O longa é formado pela colagem de montagens que levou 19 anos para ser concluída. Este tempo fora do comum é facilmente compreendido ao pensarmos no formato do filme, que é praticamente uma aula de história e como tal, pode começar de um ponto específico escolhido pelo narrador – aqui é o período pós Segunda Guerra, com algumas imagens do holocausto –, mas não é fácil colocar um ponto final.

A ideia inicial seria começar os relatos com depoimentos sobre a segunda guerra; passar pelo ano de 68, que para Tendler e tantos outros revolucionários teve vários eventos orgásticos; relatar acontecimentos na Europa, América, África e Ásia; até a queda do muro de Berlin, que inicialmente marcou o fim do século. Porém houve o ataque às torres gêmeas, que prorrogou o marco do fim do século fazendo com que até Hobsbawn cometesse o equívoco de falar em “breve século 20” após o fim da União Soviética.

Ao prolongar o filme ao “novo fim do século” Tendler pode abordar o resultado da primeira eleição presidencial no Brasil após a ditadura militar, que para a geração do diretor, em contraponto ao ano orgástico de 68, foi uma das maiores brochadas da história. Após o atentado de 11/9 veio a eleição de um operário para a presidência do Brasil, de um índio para a Bolívia, de um negro para os EUA, a maior crise econômica desde 1929, ou seja, o encadeamento de fatos históricos tornaria este trabalho interminável, e só chegou ao fim com a eleição de Barack Obama por definição do diretor.

Outro ponto sempre difícil, mas talvez agravado neste tipo de documentário, é a edição final. Após juntar muito material, entrevistas com mais de 60 pessoas entre cineastas, historiadores, filósofos, vítimas de barbáries, etc. foi necessário colocar tudo em 120 minutos. Evidentemente que muitas partes tiveram que ser cortadas ou resumidas, mas isso não chega a comprometer a versão final.

Além de apresentar a história através de entrevistas com importantes atores políticos e imagens históricas – algumas bastante cruas e difíceis de assistir, porém o que sentimos ao ver é apenas um vislumbre dos sentimentos de quem viveu as situações – o filme nos instiga a pensar nos dias atuais e até mesmo no futuro, pois a montagem de Tendler é permeada por discursos e atitudes similares, quando não cíclica. Ao vermos no início do filme a tentativa norte-americana de justificar as bombas atômicas como necessárias para fazer com que as pessoas parassem de sofrer, temos a impressão de que há uma cartilha pronta de como justificar atos de terrorismo, já que Obama quando (pasmem) recebeu o prêmio Nobel da paz, afirmou em seu discurso que algumas vezes (acreditem) a guerra é necessária para chegar à paz.

Para o Brasil o filme passa a imagem de melhora em relação aos tempos de ditadura, indiscutível e consensual, principalmente para a geração do diretor. Só não podemos esquecer, entre tantas coisas que o filme nos lembra, de que a democracia não se resume às eleições periódicas e de que democracia institucional é muito pouco se comparado a necessidade urgente de democracia social pela qual nosso país grita – principalmente a classe formada pelos milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria, sem citar números devido à imprecisão e a vergonha que isso acarretaria.

Silvio Tendler nos traz um filme importante para aprendermos e lembrarmos muitos acontecimentos não tão distantes. É triste saber que é um documentário, não uma obra de ficção, para podermos olhar para cenas deploráveis que os detentores do poder proporcionaram e recorrermos à famosa frase “só em cinema mesmo”. Mas já que todos os fatos são reais, o melhor é não esquecer os crimes, menos ainda das impunidades. (até o momento da publicação deste artigo temos 46 anos e 9 dias desde o início da ditadura militar no Brasil, sem um único militar punido)


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