quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Céu de Suely

Esta obra do diretor Karim Aïnouz se mantém longe do romantismo tão frequente na história do cinema. Logo nos primeiros minutos o filme se aproxima do realismo, por vezes bastante ácido, que surpreende e deixa a expectativa em quem assiste. Até a última cena ficamos em dúvida se o final voltará ao romantismo habitual, ou se o realismo será mantido.

A protagonista é Hermila (Hermila Guedes) que após as juras de amor eterno da juventude viaja com Mateus para São Paulo e tem um filho, Mateus Jr. A narrativa tem início com mãe e filho chegando de volta na pequena Iguatu, sertão do Ceará, onde passam algumas semanas esperando por Mateus que chegaria mais tarde. Ao descobrir que foi abandonada pelo marido Hermila deve seguir sua vida, mas já não se reconhece na pequena cidade e almeja viajar de novo, desta vez para a região sul.

Não faltam filmes nacionais com a saga dos retirantes que tentam a vida em grandes cidades, porém aqui Aïnouz nos mostra a cidade de origem, a vida de seus habitantes – dos que querem ficar e dos que querem sair – e as influências culturais presentes no cotidiano das pessoas. A trilha sonora contribui muito para essa percepção, pois a música principal é “Tudo que eu tenho”, uma versão nacional de “Everything I Own” que ao longo do filme é seguida por várias outras versões para clássicos internacionais. As pessoas não abandonam suas raízes, o tradicional forró é a trilha sonora das festas, porém o estrangeirismo foi incorporado à cultura local.

Além das músicas podemos notar nas vestimentas, comportamentos e detalhes sutis as influências culturais externas que colocam o tradicionalismo e o provincialismo de uma pequena cidade do interior cearense contra o modernismo que chega até os habitantes através dos meios de comunicação, ou dos retirantes que voltam à terra natal, como Hermila que regressa com uma mecha loira nos cabelos, caracterizado por uma moradora local como um cabelo “meio loiro, meio ruim”, ou seja, a tendência é ver elementos exógenos como superiores. A protagonista, juntamente com uma amiga, experimenta drogas e cheira acetona buscando uma fuga da dura realidade na cena em que as duas jovens parecem duas crianças de rua inalando entorpecentes. A maturidade que a idade poderia oferecer é limitada pela falta de cultura que deveria ser adquirida ao longo da adolescência.

Decidida a deixar novamente a cidade, Hermila precisa de dinheiro para a passagem. A solução encontrada foi fazer uma rifa, na qual o prêmio seria seu próprio corpo por uma noite. Aqui entra o heterônimo da personagem, Suely, que promete uma noite no paraíso para o vencedor. A personagem deixa claro para sua tia que não estava se prostituindo, e é interessante frisar este ponto, pois aos que estão distante desta realidade várias atividades poderiam ser descrita simplesmente como prostituição, mas aos que nela estão envolvidos há diferenciações claras, como já exploradas no filme Baixio das Bestas de Cláudio Assis.

Evidentemente a decisão de rifar o próprio corpo altera o cotidiano da pacata cidade, onde as notícias correm rápido. A oposição do tradicionalismo é forte e Hermila sofre ameaças, preconceitos, além da dificuldade de lidar com o problema dentro de sua própria casa. Entretanto qual a alternativa para ganhar todo o dinheiro necessário para comprar a passagem e deixar a cidade, se esta, apesar de valorizar o consumo, não oferece infra-estrutura para que seus habitantes acumulem capital?

As contradições sociais, o choque cultural e as técnicas de filmagem que exploram o improviso e talento dos atores (valorizando ainda mais o gênero realista) chamam a atenção para este filme que, entre vários outros sobre retirantes, destaca-se com muita competência.

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