quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Entre os muros da escola (Entre les murs)

Entre os Muros da Escola, do diretor Laurent Cantet, baseia-se no livro homônimo de François Bégaudeau, que atua no filme como professor Marin para mostrar algumas de suas experiências como educador. Longe de ser um documentário sobre o sistema de ensino francês (como Pro dia nascer feliz, de João Jardim, que trabalha com escolas brasileiras como pode ser conferido no texto deste mesmo site) o longa nos permite identificar algumas características relevantes sobre problemas e virtudes do sistema educacional, através de algumas representações de personagens.

Estruturalmente a escola não tem grandes problemas, diferente do que podemos notar em alguns registros de João Jardim. As instalações são suficientes para uma aula que conta com um número não muito grande de alunos e um professor que demonstra competência. Com o diálogo de desabafo de um professor entre seus colegas Cantet indica que a bagunça dos estudantes impede que a aula seja ministrada, levando o professor ao extremo de dizer que seus alunos não merecem um futuro melhor; apesar disso este problema recorrente em escolas é pouco explorado, pois não há construções de imagens que ilustrem a ideia. As cenas que demonstram bagunça sugerem apenas conversas presentes em qualquer grupo de pessoas – principalmente adolescentes que aguardam o início da aula.

O que provavelmente chama mais a atenção dos brasileiros que dos franceses é a forma que o professor de francês conduz sua aula. Em uma classe da periferia de Paris, que reúne alunos imigrantes de diversos países formando um caldeirão cultural com valores e pontos de vista muito diferentes entre si, o professor dá voz a todos, que podem expressar suas ideias em um espaço coletivo. Esta quebra de um sistema bastante recorrente do professor que fala para os alunos que absorvem o conteúdo sem questionar reflete valores iluministas construídos há séculos na França.

Porém o modelo de aula de Marin também deve lidar com muitas dificuldades. A desmotivação de estudantes, os problemas familiares que influenciam do aprendizado, a tendência natural dos adolescentes de testar as autoridades presentes, as divergências originadas pelas múltiplas descendências, etc. Para lidar com todos esses conflitos há o professor que tenta mediar debates e apaziguar discussões, mantendo a ordem e cumprindo o currículo escolar.

O desenrolar da obra indica o desgaste provocado pela perenidade dos problemas. Apesar de profissional, o educador é um ser humano que está sujeito a eventualmente tomar uma atitude impensada diante de situações que o levam ao seu limite. Quando este limite é ultrapassado e as emoções extravasadas os estudantes assumem a postura de vítimas e a construção de um espaço coletivo dá espaço ao embate entre alunos reivindicando respeito aos seus pontos de vista e professor tentando manter a autoridade necessária ao cargo.

Entra em cena então o delicado equilíbrio que um professor deve encontrar. Um limite tênue entre impor sem abusos sua autoridade e respeito perante os alunos, ganhando a confiança dos mesmos para conseguir construir uma aula educativa e estimulante, e lidar com casos extremos em que nem tudo flui pacificamente, tendo que por vezes assumir erros e recuar em palavras e atitudes – deixando transparecer insegurança diante dos estudantes.

A obra aborda um professor atuando em uma única sala de aula, mas trata de problemas recorrentes em escolas, pois é um grande desafio formar cidadãos conciliando contradições sociais, rebeldia da adolescência e tantos outros fatores. Construir o trabalho coletivamente, como podemos ver no filme, é um bom começo, mas deve ser muito bem conduzido para que não fuja do controle do professor, cuja autoridade não deve ser exacerbada, porém deve estar sempre presente, já que do outro lado da moeda temos adolescentes com regras sociais ainda em formação.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Quanto dura o amor?

O título do novo trabalho de Roberto Moreira pode até lembrar algum filme hollywoodiano fadado a ser taxado de filme de Sessão da Tarde, e essa suspeita fica até mais forte ao vermos Paulo Vilhena no elenco. Entretanto a suspeita não se confirma diante de alguns temas polêmicos e cenas picantes, muito bem dirigidas.

Apesar de ter como eixo central uma história de amor, que se cruza com mais dois relacionamentos, todos conturbados e insólitos, não vi o amor como tema do trabalho, pois o que me chamou a atenção foi o conflito entre modernidade e tradicionalismo que uma grande metrópole pode proporcionar.

O cruzamento que mexe com o coração de todos é deslocado da Ipiranga com a São João para a Avenida Paulista com a Rua da Consolação, mais precisamente no edifício Anchieta onde a jovem atriz Marina (Silvia Lourenço) chega do interior para alugar um quarto no apartamento da advogada Suzana (Maria Clara Spinelli). Demora um pouco para entendermos como as duas personagens que estereotipam a jovem descompromissada e a mulher madura e centrada não entram em conflito, nem após Marina dormir com Justine (Danni Carlos) logo após chegar na cidade.

Logo em seu primeiro dia em São Paulo, Marina conhece Jay, que apresenta a cidade para a moça. Ele é um tímido escritor que ao contrário de um relacionamento com Marina como poderíamos imaginar, investe em seu amor por Michelle (Leilah Moreno), uma prostituta que vê no romântico incorrigível apenas mais um cliente.

No bar em que Jay a levou, Marina vê Justine cantando. Após conhecer pessoalmente a cantora conhece também Nuno (Paulo Vilhena) e os três proporcionam os temas mais liberais do filme, como a proposta de um ménage à trois, relacionamento aberto, etc.

Por fim Suzana, que aluga um quarto de seu apartamento para Marina, começa um relacionamento com Gil (Gustavo Machado) no machista ambiente do Fórum. Nada de incomum, não fosse o grande segredo guardado por Suzana, como indica o trailer.

Conforme citado, não são poucas as cenas em que a tradição barra as atitudes liberais. Se por um lado Nuno aceita ver Justine com outra, demonstra ciúmes quando o relacionamento das duas demonstra seriedade; machismo ao agredir Justine em virtude do mesmo ciúme; e tradicionalismo ao tentar impor regras na vida da cantora.

Jay aceita propor um relacionamento estável com uma prostituta (ao menos enquanto o amor é platônico), mas por trás disso há o romantismo exacerbado e a ideia de transformá-la no grande amor de sua vida, querendo agradá-la com presentes inesquecíveis e construir sentimentos nos quais a sociedade se baseia há séculos, mas que a modernidade refuta com veemência.

Não darei detalhes sobre a história de Suzana e Gil, pois me atenho aos segredos indicados pelo trailer, mas o conflito entre o tradicional e o moderno aparece. Para saber se o tradicionalismo predominará ou se dará lugar a uma visão mais liberal, é necessário ver o filme.

Roberto Moreira é ousado ao trazer para as telas temas que apesar de cotidianos ainda sofrem grande preconceito. Cenas de amor entre duas atrizes são pouco exploradas em qualquer cinema do mundo, mas o diretor as expõe de forma competente, deixando o trabalho bastante natural. Encontramos também a situação bastante comum no cotidiano das pessoas, que se sentem (parafraseando Simmel) solitários e perdidos na multidão metropolitana.

Um bom filme que terá que enfrentar a falta de dinheiro e o preconceito da sociedade para mostrar seu valor!


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